Autocarro

Eu estava mesmo esperançoso de me sentir bem, pelo menos hoje, não me apetecia nada estragar o nosso passeio por causa de um enjoo ou de uma dor de cabeça. Olhei-a quando disse que não ia cair só com um convite e fiquei assim durante algum tempo enquanto pensava em alguma coisa, vendo depois um autocarro na paragem.
-Se é mesmo assim - agarrei-lhe na mão e puxei-a para que corrêssemos e ri-me quando conseguimos entrar dando-lhe algum dinheiro para dois bilhetes para nós os dois.

Fiquei a olhá-lo com uma pequena careta enquanto ele fazia o mesmo e de repente, ele puxou-me para uma paragem de autocarro que estava perto de nós. Arregalei ligeiramente os olhos, tentando acompanhar o seu passo, visto que não apanhávamos o autocarro por pouco e uma vez lá dentro eu peguei no dinheiro que ele me estendia, pagando dois bilhetes para nós. Dirigi um sorriso agradável ao condutor e depois olhei para King.
- Para onde vamos? - perguntei.

Fui sentar-me num dos bancos vazios esperando que ela fizesse o mesmo e soltei uma gargalhada quando ela perguntou para onde é que íamos.
-Eu acabei de te dizer que não conheço nada disto - disse com um sorriso, era desta vez que ela ia achar que eu era um maluco, podia sempre dizer que a minha doença era no cérebro, mas ela ia descobrir na mesma. - Vamos até onde o senhor nos levar - disse com um tom de voz filosófico esticando uma mão com o punho cerrado.

Fiquei a vê-lo ir sentar-se nos bancos e acabei por seguir o seu exemplo, não ia ficar de pé, especada a olhar para ele. Sentei-me no banco ao seu lado, recostando-me e virei a cara na sua direcção, levantando ligeiramente as sobrancelhas, mas logo acabei por me rir. Era inevitável não o fazer na sua companhia.
- Parece-me um bom plano. - gargalhei.- eu também não conheço mais do que a minha escola e o hospital, por isso.. - encolhi os ombros com um sorriso, encostando a cabeça ao banco.

Recostei-me no banco olhando pela janela, mas logo voltei a desviar a minha atenção para ela.
-Porquê? - perguntei - estás cá há algum tempo, presumo que ainda não tenhas dez anos - fiz uma expressão meio assustada - não pois não? - perguntei mais baixo - não quero que os teus pais me acusem de pedofilia. - abanei a cabeça deixando a cabeça cair para trás no banco - desculpa eu só digo porcaria - ri-me enquanto a olhava.

Olhei-o pelo canto do olho quando percbi que me olhava e ri-me baixinho com as coisas que ele dizia, abanando a cabeça.
- Tenho cara de quem tem dez anos? - perguntei, semicerrando um pouco os olhos.- simplesmente, não conheço muita gente e além do mais, a minha vida ultimamente não varia muito entre os estudos e as horas no hospital. - encolhi os ombros.- nem toda a gente pode andar por aí a atirar-se às pessoas. - brinquei, abanando a cabeça quando me pediu desculpa.- não peças desculpa, és uma boca companhia. - disse, olhanso logo para ele.- mas não fiques convencido.

Abanei a cabeça negativamente com um sorriso.
-Não, mas tens ar de anjinho, os anjinhos às vezes enganam - brinquei continuando com a cabeça encostada ao banco - não tens muitas amigas e a tua vida é casa-escola-hospital- constatei apesar de ter sido ela a dizê-lo - uma coisa que eu aprendi é que a vida é demasiado pequena para deixar o que queres fazer para o último dia -endireitei-me quando disse que era uma boa companhia - eu não sou convencido - disse abanando a cabeça - mas eu sei que sou. - ri-me - diz-me uma coisa que queiras fazer. - pedi-lhe voltando ao assunto anterior.

- Sim, mas eu sou um anjinho de confiança. - disse com um pequeni sorriso mordendo depois a parte de dentro da minha bochecha com o que ele disse, de termos de aproveitar a vida.- eu tenho dois irmãos pequenos. - disse.- rptoda a ajuda é pouca.[b] - encolhi os ombros e limitei-me a sorrir quando ele disse que sabia que era uma boa companhia. Fechei os olhos, pensativa com a sua pergunta e só voltei a olhá-lo ao fim de alguns segundos.- [b] tanta coisa.. - disse.- mas..adorava saltar de um avião. - ri-me baixinho.- deve ser uma sensação óptima.

Sorri quando ela disse que tinha dois irmãos e rapidamente me lembrei da minha, mordendo o meu lábio. Depois da morte da minha mãe nós tinhamo-nos tornado inseparáveis apesar da diferença de idades. Era impossível não ter agora saudades dela.
-Eu tenho uma irmã e nunca deixei de fazer o que queria, e acredita eu sou uma boa ama - disse com um sorriso abrindo muito os olhos com a sua escolha, não estava à espera daquilo. Acabei por encolher os ombros - está bem - disse e estiquei-me até ao botão para que o autocarro parasse - agora só temos que nos encontrar. - olhei em volta.

Mal o ouvi dizer-me que tinha uma irmã, sorri, lembrando-me dos meus dois monstrinhos.
- Tu tens razão. - disse.- a minha mãe diz o mesmo. - fiz uma pequena careta assim que vi os seus olhos arregalados, mordi o meu lábio.- foi um pedido muito arrojado? - perguntei baixinho.