Carro do King

Sorri quando senti o beijinho de Sally na minha bochecha e entrei de novo na sua casa dando-lhe uma festinha no cabelo. - Não agradeças, não me dás trabalho nenhum e estás a ocupar-me um dia morto - encolhi os ombros, os meus dias eram todos mortos agora, tinha saudades do meu trabalho. - É mais giro do que eu - disse com um sorriso - venham.

- Mesmo assim.- disse depois de ele me dizer que não dava trabalho.- nós podíamos ir de autocarro.- encolhi os ombros, apesar de não estar a desvalorizar a sua ajuda. Ajudei o Lucas a arranjar a mochila e saí com eles de casa, esperando que todos passassem para fechar a porta.- depois vais para o hospital? - perguntei a King, vendo os miúdos paralisarem nas escadas.
- Uau..- Mia murmurou, de olhos arregalados e queixo caído.- este carro é teu? - ela perguntou, completamente em êxtase, apontando com um dedo para o carro branco que estava à nossa frente. Até eu, depois de o olhar, não consegui não ficar admirada.

Assenti à sua pergunta enquanto descia as escadas.
-Vou - murmurei sem grande vontade. Sorri-lhe e ri-me quando vi os miúdos paralisados - é venham, tem televisão - ri-me abrindo o carro com o botão. Eu não era um modelo qualquer, era bastante bom e bem pago pelo meu esforço. Olhei para Sally e dei-lhe a mão puxando-a para o lugar dela.

Eu não me considerava uma pessoa pobre, tinha tudo aquilo que precisava, tudo bem que não tinha tudo o que queria, mas tinha o essencial. Bem como os meus irmãos. Pisquei os olhos duas vezes, enquanto continuava a olhar para o carro de King e acabei por abanar a cabeça, para tentar voltar à realidade, rindo-me quando os olhos dos meus irmãos se arregalaram ainda mais, assim que King falou em televisão.
- Uau.- murmuraram os dois em uníssono.
- Podes levar-nos à escola todos os dias? - Mia perguntou.- o autocarro não tem televisão.
- Mia! - adverti, abanando a cabeça e olhei para King enquanto me dirigia para o meu lugar, com a sua ajuda.- nem penses em dar-lhe ouvidos, nós vamos muito bem de autocarro.

Ri-me quando Mia perguntou se a podia levar sempre às aulas e entrei no meu carro olhando para trás quando liguei as televisões. Escolhi uns programas que tinha gravado por causa da minha irmã e coloquei uns mais infantis.
-Mas devias saber que eu não me importo de vos levar - encolhi os ombros - eu não tenho nada para fazer.Não vejo mesmo qual é o problema

Antes de entrar, ajudei os miúdos a entrarem, colocando-lhes o cinto, como sempre fazia. Fui depois para o meu lugar, colocando também o meu e olhei para King.
- Já disse que não quero dar trabalho.- disse-lhe.- e além do mais, não precisas de acordar cedo todos os dias para nos levares quando podes ficar a dormir mais um bocadinho, eu sei o que custa acordar cedo de manhã.- disse com uma careta, olhando logo de seguida para os miúdos, que estavam todos entretidos com as televisões.

Encolhi os ombros - eu a esta hora já estou acordado todos os dias -disse-lhe - eu costumava acordar às seis em Nova Iorque para umas provas - sorri-lhe um pouco - já estou acordado a esta hora - arranquei no carro olhando para trás vendo que os miúdos iam entretidos a ver a televisão que havia atrás do meu banco.

À medida que ele falava, mais a minha exasperação aumentava, será que eu nunca conseguia levar a minha avante com ele?
- Tu queres mesmo levar-nos todos os dias à escola? - perguntei, virando a cara na direcção dele.- tens a certeza de que é mesmo isso que queres? - soltei um suspiro.- eu já disse que odeio dar-te trabalho.

Ri-me pela forma que ela estava a ficar. Eu era bastante teimoso, mais do que ela. Assenti a todas aquelas perguntas.
-Eu já disse que não faz mal, só tenho que sair da cama - encolhi os ombros - não estou lá a fazer nada - sempre tinha sido uma pessoa muito ativa, agora estavam a obrigar-me a parar um bocado, mas pelo menos aquilo eu queria fazer, se me deitassem numa cama durante dias aí é que eu morria de vez - deixa-me fazer isso.

Estava mais do que visto, eu não ia ganhar, mais uma vez, ele ia conseguir o que queria. Apertei os meus braços cruzados sobre o peito, encostando-me mais para trás no banco e à medida que ele foi falando, mais vezes eu revirei os meus olhos.
- És tão teimoso.- resmunguei, olhando para a minha escola ao longe, através do vidro.- mas tudo bem.- murmurei com um encolher de ombros.- se queres assim tanto, quem sou eu para dizer que não?

Sorri quando a ouvi dizer-me que era teimoso e assenti com a cabeça. Parei à frente da escola e olhei para Sally - Eu sei que sou teimoso mas és tu que me estás a fazer o favor não sou eu a ti. - sorri-lhe encostando a cabeça à cadeira - vão - sorri, eu ia para um sitio muito pior que ela.

Eu não sabia pelo que é que ele estava a passar, apesar de a minha avó ter passado pela mesma situação, nunca era a mesma coisa, por isso, lá no fundo, se ele dizia que eu o ajudava, eu ficava feliz por isso.
- É bom que saibas que depois vou retribuir, seja com o que for.- avisei, apontando-lhe um dedo e antes de sair do carro, estiquei-me até lhe beijar a bochecha.- até logo Rayzinho.- disse e depois saí, indo abrir a porta de trás, para os pirralhos saírem.
- Eu vi.- Mia resmungou, com cara de má e saiu do carro, olhando depois para King pelo vidro aberto.- e não gostei nada.- completou, toda mázinha e depois de ajeitar a mochila, começou a andar à nossa frente. Ri-me, abanando a cabeça e olhei também para King.
- Passa-lhe depressa, não te preocupes.- sorri-lhe e depois comecei também a andar, olhando por cima do ombro para ele uma última vez.

Revirei os olhos quando disse que ia retribuir o favor e encolhi os ombros, ela que fizesse o que quisesse, quem estava a fazer o favor era ela, não eu. Olhei para trás para Mia quando começou a correr depois de dizer que não tinha gostado que a irmã me tivesse dado um beijo na bochecha e sorri com um encolher de ombros.
-Até amanhã - disse baixo antes de ela ir olhando para a frente antes de arrancar, agora só havia um destino para o qual não queria nada ir.

continua no hospital