Hospital

Depois de me apresentar à entrada uma enfermeira veio ter comigo mostrar-me onde é que era a sala onde se fazia quimioterapia. Arregalei os olhos ao ver tanta gente, aquilo estava praticamente cheio, mas dava para notar que não eram novos naquilo. Não estavam como eu, nervosos, até pareciam bastante tranquilos.
-Sente-se aqui e descontraia para eu colocar o equipamento - pediu a enfermeira.

Depois de chegar da escola, e como acontecia todos os dias menos à sexta, fui directa para o hospital. Para mim, esta era a melhor parte do dia. Apesar da nostalgia que sentia sempre que lá entrava, era bom poder estar com aquelas pessoas.
- Boa tarde Sally.- virei a cara mal ouvi a voz de Alice, uma das enfermeiras e também minha amiga. Ela era quatro anos mais velha, mas continuava o seu espírito adolescente bem presente.- acabou de chegar um belo paciente, acho que o devias ir animar.- ela piscou-me o olho e eu logo percebi do que se tratava.- ele deve ser mais ou menos da tua idade.- ela conseguia estar mais entusiasmada do que eu, aliás, ela só pensava naquelas coisas desde que lhe confessara que era solteira.
- Deixa-te de coisas e deixa-me ir trabalhar.- abanei a cabeça com um sorriso, indo guardar as minhas coisas no meu cacifo.

Eu sabia mais ou menos os processos todos, só tinha quinze quando a minha mãe tinha começado com os tratamentos mas tratei logo de me informar, por isso quando o meu médico me falou dos contras eu disse que já sabia de tudo. Encostei a cabeça à cadeira e coloquei-a como se estivesse numa espreguiçadeira, a única parte fixe disto tudo era mesmo a cadeira. Olhei em volta vendo algumas pessoas curiosas a olharem para mim e apenas sorri de volta, fazer amigos ali não estava nos meus planos.

Como já era normal, dei a minha voltinha por todos os pacientes, para lhes perguntar se precisavam de algo, se podia fazer alguma coisa por eles. Os mais mal humorados diziam-me que se lhes tirasse a doença, e os outros, apenas negavam agradecendo. Eu não poda censurar ninguém, não sabia o que era estar na posição deles. Depois de cumprimentar Diana, uma velhinha que ali vinha quatro vezes por semana, parei junto da cadeira de um rapaz novo. Devia ser aquele de quem Alice falava, tinha bom aspecto realmente. Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha e ainda fiquei a pensar se falava ou não, não tinha a certeza se ele estava a dormir.
- Precisas de alguma coisa? - acabei por perguntar baixinho.

Estava eu quase a dormir quando ouvi uma voz. Abri os olhos pestanejando várias vezes e ao ver uma rapariga ainda tive que olhar para os outros lados para ver se ela estava a falar com outra pessoa. Mas não, estava mesmo a olhar para mim. Ela não tinha ar de enfermeira e eu também não tinha ar de que estivesse mal, estava doente sim, mas agora sentia-me bem, por isso é que eu estava tão confuso.
-Já morri e tu és um anjo? - perguntei com um sorriso traquina.

Fiquei a olhar para ele, ainda na dúvida se estava a dormir ou nãomas como abriu os olhos mal falei, presumi que não estivesse. Esperei que recuperasse os sentidos, debruçando-me ligeiramente na sua direcção e assim que falou, não consegui calar uma leve gargalhada.
- Já me chamaram de muita coisa, mas anjo é a primeira vez. - brinquei.- eu faço voluntariado aqui, estava só a certificar-me de que estavas bem. - expliquei, face à sua expressão confusa.

Sorri face à sua gargalhada e ajeitei-me na cadeira, aquilo era mesmo fixe, infelizmente era só mesmo aquilo, porque nem televisão havia para passar o tempo e estar ali uma hora e meia a receber veneno para me matar a mim e à doença que tinha era uma verdadeira seca.
-Mas tens cara disso - sorri-lhe olhando para as outras pessoas que estavam todas com uma garrafa de água ao pé e com companhia - podes dar-me uma garrafa de água e companhia. - mostrei-lhe um sorriso inocente como a pedir 'por favor.'

Olhei por cima do ombro assim que ouvi uns risinhos e vi que era Alice. Abanei a cabeça, revirando-lhe os olhos e voltei a olhar para o rapaz, ela era impossível. Sorri assim que deu a entender que eu tinha cara de anjo e mordi o meu lábio de forma distraída.
- Sendo assim, obrigada. - agradeci, ficando depois muito atenta enquanto ele falava. Voltei a sorrir, assentindo e virei costas apenas para ir buscar uma garrafa de água e um copo, tal como tinham todos os outros pacientes.- aqui tens. - disse, pousando a garrafa na mesinha que estava ao pé dele.- queres beber já? - perguntei e puxei uma cadeira, sentando-me virada para ele.

Olhei por cima do seu ombro vendo a enfermeira que me tinha colocando o cateter rir-se e fiz o mesmo percebendo que era por nossa causa. Olhei para a água que ela trazia na mão e estiquei-me até à garrafa depois dela a pousar na mesa ao meu lado.
- Eu consigo abrir uma garrafa, não te preocupes - sorri-lhe deitando um bocado para o copo e bebi a água com calma. Aquilo dava mesmo sede. Desviei o olhar para a voluntária e voltei a encostar a cabeça na cadeira - Como é que te chamas? - perguntei para meter conversa.

Ao vê-lo olhar por cima do ombro, percebi que tinha ouvidos os risos de Alice. Oh, era só o que me faltava.
- Não ligues se ela te disser alguma coisa. - disse.- ela achou-te piada. - murmurei, ocultando o facto de ela lhe achar piada para mim. Exibi um sorriso meio culpado quando disse que conseguia abrir uma garrafa e deixei que o fizesse, recostando-me na cadeira. Cruzei os braços ao peito e fiquei a olhá-lo sorrindo quando perguntou o meu nome.- Sally. - respondi.- e tu?

Ri-me de novo quando ela disse que a enfermeira me tinha achado piada.
-E vai-se lá saber porquê - acabei por ser um pouco convencido, mas apenas sorri. Olhei para a garrafa de água começando a brincar com a mesma com a mão que não estava cheia de agulhas. Sorri ao ouvir o seu nome e voltei a olha-la - Até o nome combina - brinquei - Depende, queres que parte do nome? - ri-me - Eu gosto de King. - era o meu último nome mas era assim que os meu amigos e a minha família me tratavam.

Levantei ligeiramente as sobrancelhas pela forma convencida como falou, mas mostrei-lhe um sorriso na mesma, provavelmente estava só a brincar, ou então era mesmo todo cheio de si. Ri-me com o comentário que fez do meu nome ao mesmo tempo que passava uma mão pelo cabelo e colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha.
- Continuas com isso e começo mesmo a acreditar que sou angelical. - ri-me baixinho e sorri assim que disse o seu nome.- King.. - repeti.- é um bom nome mas não tens cara de ser assim muito angelical.- brinquei.- acho que nem toda a gente pode ser como eu. - disse sempre no meu tom brincalhão, só estava a tentar distraí-lo.

-Podes acreditar - incentivei rindo-me baixinho. Não estava lá muito confortável, o liquido era demasiado frio e eu não estava habituado, mas se continuasse a ser distraído por ela as coisas acabavam por passar. Voltei a pousar a garrafa no sítio e peguei numa manta que havia o lado colocando-a por cima das minhas pernas apenas rindo-me do que ela disse -eu não sou nenhum anjo - olhei-a com o meu sorriso de sempre.

Soltei um leve gargalhada. Ele era divertido e pelo menos, não me contava histórias de casamentos mal sucedidos ou de como conheceu a mulher, como a maioria das pessoas. Não que eu me importasse, mas chegava a um certo ponto em que cansava. Juntei ligeiramente as sobrancelhas ao ver a sua careta e ia perguntar se precisava de alguma coisa, mas e,e rapidamente tratou de se cobrir. Debrucei-me, ajeitando-lhe a manta sobre as pernas e depois olhei-o.
- Então e de onde és King endiabrado? - experimentei fazer um sorriso igual ao seu, mas aquilo tinha muito que se lhe dissesse.

Sorri-lhe de forma a agradecer por ela me estar a ajudar e voltei a ajeitar-me, ainda faltava mais de uma hora, já não era tudo, o tempo estava a passar rápido por causa dela. Detestava estar ali sozinho, mas era o melhor para todos. Desviei o olhar do ponto a que me tinha fixado e olhei-a com os olhos meio abertos e meio fechados, acho que de um momento para o outro começava a ficar mais cansado, pelo menos se dormisse passava mais rápido. - Londres, mas vivo em Nova Iorque - disse - longe não é? - perguntei com um sorriso.

Dirigi-lhe um sorriso quando o vi sorrir-me também e remexi-me na cadeira, passando as mãos pelas minhas pernas de forma distraída enquanto o ouvia falar. Fiz um ar admirado quando me disse de onde era e depois assenti à sua pergunta.
- É um bocadinho.- confessei. Quando vi os seus olhos começarem a fechar, eu juntei as sobrancelhas, percebendo que talvez ele quisesse mesmo dormir.- bem, eu vou deixar-te descansar.- disse com um sorriso.- estás com cara de quem precisa.- levantei-me.

- E tu és daqui? - Perguntei mais baixo do que antes. Eu não a conhecia de lado nenhum mas queria que ela continuasse ali, fazia com que aquilo passa-se mais rápido,era essa uma das razões porque ia sempre com a minha mãe. - Estás louca para ir embora, anjo? - Perguntei com um sorriso

- Não, sou de Itália.- respondi com um sorriso nostálgico.- vim para cá quando tinha dez.- sempre que falava de Itália era impossível não sorrir, era uma cidade linda, além de que me lembrava bastante bem da época em que lá vivera. Olhei-o quando me perguntou se estava louca para ir embora e voltei a juntar as sobrancelhas, abanando a cabeça.- não.- murmurei.- só pensei que querias dormir.- confessei, voltando a sentar-me.

Italiana, isso explicava bastante bem o físico dela, e não só. Sorri pela maneira que ela falava de Itália, eu tinha saudades de Londres, se recebesse mais notícias sobre os tratamentos era para lá que eu ia, não ia continuar aqui  - Se fosses de Los Angeles fazia mais sentido - brinquei com um sorriso - sendo assim é uma deusa -ajeitei-me na cadeira - eu já fui a Itália, as raparigas são todas boas - ri-me da maneira como falava e continuei a sorrir quando se sentou - e eu quero. - admiti.

Foi impossível não me rir com o que ele disse, acho que ele era das pessoas mais bem dispostas que já tinham passado por ali. Isso era bom, eu era da opinião que as pessoas com aquele tipo de doença não deviam desanimar, era bom ele estar tão animado. Se bem que, falar era fácil, eu não tinha a certeza de fazer o mesmo. Levantei as sobrancelhas pela maneira como falou das raparigas de Itália e semicerrei-lhe os olhos.
- Isso quer dizer que são todas deusas? - perguntei na brincadeira, ficando logo mais séria quando admitiu que queria mesmo dormir.- era por isso que eu me estava a ir embora.- expliquei.- não quero interromper o teu sono de beleza.- sorri.

Sorri por fazê-la rir, normalmente eu era um cómico, toda a gente que estava à minha volta se ria das figuras que eu fazia, e apesar de estar a passar por isto sozinho eu tinha que continuar animado, porque se desanimasse... Isso sim era morte certa. Eu só estava doente, mas aquilo ia resolver-se, era só mais as minhas gripes de quando era criança. Eram sempre dificeis de tratar mas depois de estar bom já podia correr livremente e brincar.
-Não - sorri - só algumas - reformulei com um sorriso - nem todas parecem anjinhos. - senti os meus olhos começarem a fechar e suspirei baixinho - então eu vou dormir - murmurei adormecendo aos poucos.

Voltei a semicerrar os olhos por não dizer propriamente aquilo que eu queria ouvir, mas logo sorri, passando uma mão pelo cabelo.
- Nem todas podem ser como eu.- disse num tom brincalhão e antes que pudesse dizer mais alguma coisa, já só o vi fechar os olhos e adormecer pouco depois. Mordi o meu lábio enquanto o olhava e acabei por me aproximar, tapando-o bem com a manta. Olhei em volta e como estavam todos os doentes com companhia, eu acabei por me sentar, ficando a olhá-lo.

Fiz uma careta quando acordei com uma mão a abanar-me e sorri quando vi a enfermeira brincalhona.
-Já nos querias assustar - disse ela com uma expressão assustada que me fez rir baixinho.
-Eu tenho um sono pesado - disse passando as mãos pelos olhos e foi aí que percebi que em vez de uma agulha tinha apenas um penso no braço. - Estou livre por hoje não estou? - perguntei olhando depois para Sally que parecia ter ficado ao meu lado.

Fiquei sentada a olhá-lo durante todo o tempo. Já tinha decorado todos os seus traços, tinha de admitir que ele não era nada que passasse despercebido.
- Eu disse que ele era jeitoso.- virei a cara para Alice enquanto ela lhe retirava a agulha do braço.
- Cala-te, ele já percebeu.- avisei com cara séria e quando vi a sua expressão mudar, voltei a olhar para King.- ele não acorda? - perguntei já a ficar preocupada e ia levantar-me para o abanar também quando ele finalmente abriu os olhos. Respirei fundo aliviada e deixei-me cair na cadeira, ainda com o coração apertado. Passei uma mão pelo peito, esforçando-me por lhe dirigir um sorriso quando olhou para mim e assenti.- estás despachadinho.- respondi eu, levantando-me.
- E tu também.- disse Alice com um sorrisinho.- podes ir embora.- piscou-me o olho, fazendo-me arregalar os meus. Ela era maluca, só podia.